Transparência e Accountability no cotidiano das OSC

OSC Legal Instituto
6 min readNov 6, 2023

Por Karen Johnson Lassner

Como fundadores e líderes de ONGs, todos estamos preocupados com a sustentabilidade financeira das nossas organizações. Se esse é seu caso, prestem atenção em dois conceitos que, quando praticados, contribuem muito para a sustentabilidade da sua organização. Esses conceitos são: transparência e accountability.

Vamos começar com o primeiro conceito: a transparência. As ONGs existem para trabalhar pelo interesse público. A sociedade quer ter certeza de que ela trabalha em prol do interesse público. A sociedade quer confiar que os recursos estão bem utilizados, e que a ONG está realizando a sua missão. Mas, como o público, o governo e outros grupos de interesse fazem para saber se o interesse público está sendo servido? A resposta é a transparência.

O público tem o direito de saber como a ONG utiliza seu dinheiro - sejam doações diretas ou por apoio indireto via parcerias públicas ou incentivos fiscais. O público tem o direito de saber se uma ONG tem gestão sólida, se suas finanças são seguras, se obedece as leis, se respeita a ética e os valores da sociedade, se utiliza seus recursos de maneira eficaz e, por fim, se gera impacto social. Quando uma ONG compartilha essas informações com o público, incluindo seus doadores e outras partes interessadas, evita obscuridades e mostra suas atividades de maneira transparente.

O Brasil é um país em que vemos forte presença de organizações do terceiro setor; mas também, que convive com uma cultura de desconfiança diante dos casos de desvios que eventualmente aparecem nos meios de comunicação. Portanto, para se conquistar a confiança da sociedade e obter o seu apoio, é preciso assegurar a transparência de suas ações.

Há muitas formas de uma organização garantir a transparência. Ela pode assegurar que haja sempre informação suficiente disponível sobre si própria, seus programas e suas finanças e que as informações sejam claras, precisas e oportunas. Além disso, a organização pode se autoavaliar regularmente, examinando minuciosamente o seu trabalho e permitindo que os outros façam o mesmo

A transparência é tanto externa como interna. A transparência externa significa sua capacidade e seriedade ao prestar contas ao público e aos grupos de interesse externos, entre eles os doadores, os usuários dos serviços da organização e o público em geral. Por exemplo, a ONG deve divulgar no seu website informações gerais (incluindo informações financeiras) e relatórios anuais ao público e comunicar tanto as boas como as más notícias.

A transparência interna significa comunicação aberta entre os líderes e entre os líderes e os colaboradores, incluindo voluntários. Por exemplo, todos os líderes devem ter acesso à mesma informação para tomar decisões, e os colaboradores devem ter acesso às informações sobre as atividades da organização, tais como atas de reuniões, orçamentos anuais, relatórios financeiros e programáticos, entre outros documentos.

Há muitas razões pelas quais os responsáveis pela ONG devem adotar a filosofia da transparência. O primeiro beneficio da transparência é manter a confiança do público. Quando não há confiança, não há quem apoie a ONG, e sem apoio é impossível assegurar o cumprimento de sua missão.

Além de ganhar a confiança do público, há outros benefícios da transparência. Quando uma ONG é transparente, os doadores e outros grupos de interesse podem se tornar parceiros ativos na solução de problemas e, assim, ajudar a fortalecer a organização. Finalmente, o planejamento e o desenvolvimento de estratégias são mais fáceis e efetivos, e decisões mais acertadas são tomadas quando todos os fatos e vantagens e desvantagens estão “sobre a mesa”.

A maneira mais fácil de ganhar a confiança do público é mostrar informações sobre como a ONG funciona. A disseminação de auditorias e políticas sobre processos e procedimentos, se tiver, ajuda a eliminar dúvidas e perguntas. O website da ONG, se tiver, é o lugar mais apropriado para apresentar a organização às pessoas interessadas nas suas atividades.

Para aumentar a transparência externa da sua ONG, divulgue no website da organização:

  • a missão da OSC;
  • o estatuto social;
  • a composição do conselho de administração e do conselho fiscal (se tiver);
  • um resumo do histórico pessoal/profissional do(a) diretor(a) executivo(a)
  • as demonstrações contábeis (e relatórios dos auditores independentes, se houver);
  • as descrições dos principais programas, projetos, ações e atividades e/ou relatórios anuais da organização;
  • as principais políticas de governança, se tiver (código de ética, conflito de interesses, entre outras).

Se não tiver website, mantem uma relação de pessoas importantes para a ONG, tais como doadores e outros apoiadores. Envia por e-mail o relatório anual da ONG, incluindo um resumo das atividades programáticas realizadas durante o ano e o balanço financeiro. Comunica periodicamente com essas mesmas pessoas as notícias importantes da ONG, tais como mudança do diretor(a) executivo(a), a aprovação de novos projetos e financiamentos, a nomeação de novos conselheiros, entre outras.

O segundo conceito importante para a sustentabilidade da ONG é o accountability, ou seja, a responsabilização e a prestação de contas. Dito de forma mais simples, o accountability é quando a ONG aceita e assume responsabilidade pelos seus atos. Isso inclui não apenas a prestação de contas financeiras e programáticas de forma transparente, mas também a justificativa do porquê de determinadas ações não terem sido realizadas.

Para uma ONG, ser responsável ao prestar contas significa demonstrar continuamente que a organização usa seus recursos de forma prudente e sensata e não se aproveita de seus privilégios para empreender atividades contrárias à sua condição de entidade sem fins lucrativos. Uma ONG que presta contas com responsabilidade e transparência está sempre pronta para abrir suas contas e registros ao escrutínio público, incluindo aos doadores, beneficiários e outros grupos de interesse. Quando uma ONG presta contas de forma responsável, ela ganha a confiança da sociedade e confirma perante a mesma que trabalha pelo interesse público.

Para fortalecer o accountability, a responsabilização e prestação de contas da sua ONG, sugiro as seguintes ações:

  • Desenvolva uma cultura de accountability (prestação de contas com responsabilidade e transparência) dentro da organização;
  • Elabore sempre um relatório programático e financeiro final para cada projeto realizado com recursos doados e dissemina no website e/ou por e-mail aos grupos de interesse;
  • Elabore sempre um relatório final para cada campanha/ação de captação de recursos, indicando quanto foi captado e como o recurso será (ou foi) utilizado;
  • Preste contas para as pessoas que doaram dinheiro para um projeto específico ou campanha de captação de recursos, enviando por email um agradecimento pela doação, junto com um relatório sobre as atividades realizadas pelo projeto, ou com os recursos da campanha, e seu impacto na comunidade;
  • Certifique-se da correição das informações financeiras e operacionais disponibilizadas aos órgãos reguladores e ao público;
  • Seja transparente.

Se a sua ONG já implementa as ações de accountability sugeridas acima, vá mais além e tome os seguintes passos:

  • Adote uma Declaração de Valores e Código de Ética;
  • Adote uma Política sobre Conflito de Interesses;
  • Se tiverem conselho de administração e/ou conselho fiscal, assegure que entendam e possam cumprir com suas responsabilidades financeiras;
  • Realize avaliações financeiras (nas ONGs menores) e auditorias externas (nas ONGs maiores);
  • Implante e sustente um canal de denúncias para reportar suspeitas de má conduta;
  • Mantenha-se atualizado com a legislação.

No início deste artigo, enfatizei a importância do accountability e transparência para a sustentabilidade da sua ONG. Mas, esses dois conceitos também são importantes por outros motivos. Ao exercer o accountability e a transparência, a sua ONG demonstra seu empenho em servir ao interesse público, expressa seu compromisso com os valores democráticos e, a longo prazo, contribui para o fortalecimento da sociedade civil.

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Karen Johnson Lassner - sanitarista com mais de 40 anos de experiência com organizações da sociedade civil e no setor público. É especialista em governança, liderança e gestão, tendo trabalhado em todo o Brasil e mais de 20 países na América Latina, Caribe, África e Ásia.

Karen é estadunidense e mora no Brasil desde 1977. Completou dois mestrados na Universidade da Califórnia, Los Angeles, e o curso de graduação na Universidade da Califórnia, Santa Bárbara. Também frequentou a Universidade Federal da Bahia.

Além do inglês, fala fluentemente português e espanhol. Atualmente presta serviços de consultoria e treinamento às organizações da sociedade civil e parcerias multissetoriais em governança e liderança. Conselheira da BrazilFoundation, Mobility International USA e Abraço Campeão. Foi conselheira da Comissão Fulbright no Brasil e presidente do conselho da Escola Americana do Rio de Janeiro.

E-mail: karen.johnsonlassner@gmail.com

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