Parcerias do MROSC: a OSC deve recolher ISS?

OSC Legal Instituto
6 min readApr 9, 2024

Por Lucas Seara

Em matéria tributária, uma das dúvidas mais comuns que surgiram após a vigência da Lei nº 13.019/2014¹ é sobre a incidência do Imposto Sobre Serviços nos recursos vinculados aos Planos de Trabalho dos termos de parceria, mais precisamente, nos Termos de Fomento ou de Colaboração.

O ISS é o Imposto Sobre Serviços, também aparece como Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN). Regulado pela Lei Complementar nº 116, de 31/07/2003², tem como fato gerador a prestação de serviços (de natureza contratual), ainda que estes não se constituam como atividade preponderante do prestador.

O Contribuinte do ISS é o prestador do serviço, ou seja, aquele que emite a Nota Fiscal. A base de cálculo do imposto é o preço do serviço, indicado na nota. A alíquota de incidência pode variar entre 2% e 5%, com base na legislação local, ja que o imposto é de competência dos municípios e do Distrito Federal.

Seguindo o melhor entendimento, os termos de parceria do MROSC (Termo de Colaboração, Termo de Fomento ou Acordo de Cooperação) têm natureza assemelhada ao convênio, aparecendo aqui e ali como derivados deste. Estão próximos daquilo que definiu o autor Hely Lopes Meirelles: “são acordos firmados por entidades públicas de qualquer espécie, ou entre estas e organizações particulares, para realização de objetivos de interesse comum dos partícipes”.

Aqui temos uma distinção fundamental: o convênio e as parcerias aqui tratadas são opostos ao conceito de contrato. Parcerias pressupõem interesses convergentes e o contrato contém interesses contrapostos. Nas parcerias, os partícipes almejam o mesmo objetivo. Já no contrato há partes que impõem seus interesses em contraposição, isto é, uma parte quer obter recursos financeiros e a outra quer receber os bens/serviços acordados.

Neste contexto, há uma concepção equivocada de que as OSCs seriam meras prestadoras de serviços sociais a serem contratadas pelos poderes públicos. Aqui vale citar a pesquisa realizada pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH/USP) em colaboração com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), a qual mostra que entre os gestores públicos, ainda resta uma percepção das OSCs como prestadores de serviços: 31,13% afirmaram concordar parcialmente com essa afirmação; 21,01% concordaram totalmente; por outro lado, 20,23% discordam totalmente; e 18,29% discordaram parcialmente³.

Apesar dessa percepção, o regime do MROSC estabelece uma outra categorização das entidades sem fins lucrativos. As entidades são reconhecidas textualmente como parceiras dos poderes públicos em atividades e projetos de mútua cooperação. A Lei das Parcerias e o Decreto Federal nº 8.726/2016³ afastam a classificação equivocada, ao estabelecer que não se trata de uma relação de prestação de serviços.

A Lei nº 13.109/2014, que compõe o MROSC, em seu art. 2º, III, define parceria como:

“Conjunto de direitos, responsabilidades e obrigações decorrentes de relação jurídica estabelecida formalmente entre a administração pública e organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco, mediante a execução de atividade ou de projeto expressos em termos de colaboração, em termos de fomento ou em acordos de cooperação.”

Por sua vez, o art. 35 do Decreto Federal nº 8.726/2016 assim estabelece:

“Art. 35. Os recursos da parceria geridos pelas organizações da sociedade civil, inclusive pelas executantes não celebrantes na atuação em rede, estão vinculados ao plano de trabalho e não caracterizam receita própria e nem pagamento por prestação de serviços e devem ser alocados nos seus registros contábeis conforme as Normas Brasileiras de Contabilidade.”

A natureza jurídica das parcerias - Termo de Fomento ou Termo de Colaboração - envolve a formalização de uma relação jurídica entre a administração pública e organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco. Aqui já se afasta a lógica contratual.

Por sua vez, o Decreto afirma categoricamente que os recursos da parceria vinculados ao plano de trabalho não caracterizam pagamento por prestação de serviços. Portanto, não há contrato de prestação de serviços e a entidade não tem obrigação de emitir uma Nota Fiscal em favor de um suposto “contratante”. Consequentemente, não há o fato gerador que justificaria a incidência do ISS.

Para ilustrar esse ponto, vale trazer aqui os regulamentos do MROSC de Porto Alegre/RS⁵ e de São Paulo/SP⁶. Ambos contêm dispositivos que descaracterizam os recursos das parcerias como receita própria da OSC, mantendo a natureza de verbas públicas. Na capital gaúcha, o regulamento determina: “não é cabível a exigência de emissão de nota fiscal de prestação de serviços tendo a Administração Pública como tomadora nas parcerias celebradas com organizações da sociedade civil” (art. 52). Já na capital paulista há um comando parecido: “não é cabível a exigência de emissão de nota fiscal de prestação de serviços tendo a Municipalidade como tomadora nas parcerias celebradas com organizações da sociedade civil” (art. 57, parágrafo único).

Após apresentada a definição de ISS, os conceitos de convênios e contratos, bem como a natureza das parcerias, nos resta responder a seguinte pergunta: o ISS incide nas parcerias do MROSC? Uma entidade deve recolher ISS sobre os valores repassados nas parcerias do MROSC?

Fiquem atentos. Estejam atentas.

Não há incidência de ISS nas parcerias do MROSC⁷. Portanto, a entidade não deve recolher ISS sobre os valores recebidos e vinculados a um plano de trabalho, em razão de uma parceria MROSC. Não há obrigação de emitir Nota Fiscal e a cobrança ou recolhimento do ISS nestes casos está equivocada.

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Por Lucas Seara - Advogado e consultor. Empreeendedor Social. Mestre em Desenvolvimento e Gestão Social pela Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Atualmente coordena o OSC LEGAL Instituto, que se dedica à legislação das Organizações da Sociedade Civil, à Gestão Social e às Políticas Públicas.

1. Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014 - Estabelece o regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco, mediante a execução de atividades ou de projetos previamente estabelecidos em planos de trabalho inseridos em termos de colaboração, em termos de fomento ou em acordos de cooperação; define diretrizes para a política de fomento, de colaboração e de cooperação com organizações da sociedade civil; e altera as Leis nºs 8.429, de 2 de junho de 1992, e 9.790, de 23 de março de 1999

2. Lei Complementar nº 116, de 31 de Julho de 2003 - Dispõe sobre o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, e dá outras providências.

3. Leichsenrig, A. R. [et al] Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil: avanços e desafios. Coleção Sustenta OSC, Vol. 4. São Paulo: GIFE, FGV Direito SP, 2020.

4. Decreto nº 8.726, de 27 de abril de 2016 - Regulamenta a Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014, para dispor sobre regras e procedimentos do regime jurídico das parcerias celebradas entre a administração pública federal e as organizações da sociedade civil.

5. Decreto Municipal Porto Alegre/RS nº 19.775, de 27 de junho de 2017 - Regulamenta a aplicação da Lei Federal nº 13.019, de 31 de julho 2014 - que estabelece o regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco, mediante a execução de atividades ou de projetos previamente estabelecidos em planos de trabalho inseridos em termos de colaboração, em termos de fomento ou em acordos de cooperação, define diretrizes para a política de fomento, de colaboração e de cooperação com organizações da sociedade civil.

6. Decreto Municipal São Paulo/SP nº 57.575 de 29 de dezembro de 2016 - Dispõe sobre a aplicação, no âmbito da Administração Direta e Indireta do Município, da Lei Federal nº 13.019, de 31 de julho de 2014, alterada pela Lei nº 13.204, de 14 de dezembro de 2015, que estabelece o regime jurídico das parcerias com organizações da sociedade civil.

7. Aqui estamos tratando da relação de parceria estabelecida pala OSC com o poder público e dos recursos que são repassados nessa relação, vinculados ao Plano de Trabalho, onde não incide o ISS. Outra perspectiva diferente (e autônoma) é a relação da OSC com os prestadores de serviços, onde há incidência do imposto, que deve ser recolhido com base nos regulamentos locais. Importante lembrar a responsabilidade exclusiva da OSC pela relação com seus colaboradores e prestadores de serviços.

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