Novas regras do Título de Utilidade Pública na cidade de São Paulo

OSC Legal Instituto
5 min readJan 29, 2024

Por Lucas Seara

O ano de 2024 chegou e logo nos primeiros dias já trouxe uma novidade para as Organizações da Sociedade Civil (OSC) da cidade de São Paulo. No dia 02 de janeiro saiu a Lei Municipal nº 18.067/2024 que dispõe sobre a concessão do título de utilidade pública municipal¹.

Em texto anterior tratamos do “Título de Utilidade Pública” (TUP) e sua relação com o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC)². O TUP em nível federal tinha como regulamento a Lei nº 91, de 28 de agosto de 1935, plenamente revogada pelo art. 9º da Lei nº 13.204/2015³. Portanto, em nível federal não existe mais essa titulação, o TUP.

Ocorre que ainda existem os TUP de âmbito estadual e municipal, que subsistem por força das legislações de cada local. Para tais casos, entendemos que há duas vias: de um lado, a revogação dos TUP locais, sejam estaduais ou municipais, exatamente como feito em nível federal; em outro vértice, a reformulação dos TUP, adequando-os ao ambiente político normativo contemporâneo aplicado ao setor.

Recentemente, a Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB/SP divulgou nota técnica em que defende a revogação da declaração de utilidade pública no Estado e no Município de São Paulo⁴, da qual destacamos os principais argumentos: o TUP não cumpre mais seu papel social; as normativas subnacionais foram inspiradas na legislação federal, que já se encontra revogada desde 2015; e, contem inaceitável proibição de remuneração de dirigentes.

Ainda de acordo com a Nota Técnica, no Município de São Paulo a matéria era regulada pela Lei Municipal nº 4.819/1955, que utilizava termos vagos e proibia a remuneração de dirigentes. Além disso, fazia exigências relativas ao quadro de associados que se caracterizavam como “uma restrição na liberdade de associação”. Segundo a antiga regra, o título era ato do Prefeito, que certamente deve ocupar sua agenda com questões mais importantes do que essa burocracia.

O caminho adotado pela capital paulistana em 2024 foi pela edição de uma nova lei - Lei Municipal nº 18.067/2024⁵- conferindo novas regras para o TUP municipal. Segundo esta norma, cabe ao Poder Executivo “declarar de utilidade pública as associações e fundações, sem fins lucrativos e com autonomia administrativa e financeira” (art. 1).

Para alcançar o TUP, as OSCs devem preencher alguns requisitos:

(i) tenham personalidade jurídica de direito privado adquirida há mais de um ano;

(ii) estejam sediadas e atuem no território do Município de São Paulo;

(iii) possuam registro nos órgãos competentes do Município, conforme sua natureza e desde que haja exigência legal para o cumprimento de sua finalidade estatutária;

(iv) prestem serviços contínuos de comprovado mérito social à coletividade, em sua área específica de atuação, com reconhecida relevância para as políticas públicas.

Ainda segundo a nova lei, para ser enquadrada como “sem fins lucrativos” a pessoa jurídica de direito privado deverá cumprir algumas condições:

(i) não distribuir, direta ou indiretamente, entre seus associados, instituidores, diretores, conselheiros, empregados ou doadores, eventuais excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, bonificações, participações ou parcelas de seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades;

(ii) aplicar integralmente os recursos na consecução do respectivo objeto social.

Vale chamar atenção a uma vedação importante, já que os estatutos das OSC não poderão conter quaisquer disposições de cunho discriminatório ou que impeçam a admissão de associados que se enquadrem em suas finalidades sociais.

Além disso, não poderão ser contempladas com o TUP aquelas OSCs que prestam serviços exclusivamente a seus associados e respectivos dependentes mediante pagamento ou, ainda, as OSC de caráter eminentemente religioso que atuem exclusivamente nessa área.

Uma boa novidade é que a entidade - associação ou fundação - mantida por outra instituição ou que seja filial também poderá obter o TUP municipal, caso atenda aos requisitos legais.

Uma vez declaradas de utilidade pública municipal, as OSCs ficam obrigadas a comprovar perante o Poder Executivo que mantem as condições e requisitos exigidos para concessão do TUP. O prazo para tal comprovação é de três anos, contados da data da concessão do título ou da última atualização. A OSC que não apresentar os documentos exigidos ou que exercer, comprovadamente, atividade diversa da declarada no seu estatuto poderá ter seu título cassado. Para tanto, haverá um processo administrativo onde deverão ser assegurados o contraditório e a ampla defesa (art. 4º).

Havendo a revogação do decreto que anteriormente concedeu o TUP municipal as OSC só poderão apresentar novo requerimento após o transcurso de dois anos. Por outro lado, em caso de indeferimento de pedido inicial de concessão do título, as OSC só poderão apresentar novo requerimento no prazo de um ano (art. 7º).

Como pontos positivos, não há qualquer vedação à remuneração de dirigentes ou das equipes próprias das OSCs. Além disso as OSCs não fazem jus a nenhuma isenção fiscal ou qualquer outro benefício em razão da concessão do TUP.

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Lucas Seara — Advogado e consultor. Empreeendedor Social. Mestre em Desenvolvimento e Gestão Social pela Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Atualmente coordena o OSC LEGAL Instituto, que se dedica à legislação das Organizações da Sociedade Civil, à Gestão Social e às Políticas Públicas.

  1. Lei Municipal São Paulo/SP nº 18.067, de 2 de janeiro de 2024 - Dispõe sobre a concessão de título de utilidade pública municipal às associações e fundações que especifica, e dá outras providências.
  2. Saiba mais em: O Título de Utilidade Pública e o MROSC, por Lucas Seara, disponível em: https://medium.com/@osclegal/o-título-de-utilidade-pública-e-o-mrosc-f4592a5b651f
  3. Lei nº 13.204, de 14 de dezembro de 2015 - Altera a Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014, “que estabelece o regime jurídico das parcerias voluntárias, envolvendo ou não transferências de recursos financeiros, entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público; define diretrizes para a política de fomento e de colaboração com organizações da sociedade civil; institui o termo de colaboração e o termo de fomento; e altera as Leis n º 8.429, de 2 de junho de 1992, e 9.790, de 23 de março de 1999”; altera as Leis n º 8.429, de 2 de junho de 1992, 9.790, de 23 de março de 1999, 9.249, de 26 de dezembro de 1995, 9.532, de 10 de dezembro de 1997, 12.101, de 27 de novembro de 2009, e 8.666, de 21 de junho de 1993; e revoga a Lei nº 91, de 28 de agosto de 1935.
  4. Saiba mais em: Comissão do Terceiro Setor divulga nota técnica de revogação da declaração de utilidade pública, disponível em: https://jornaldaadvocacia.oabsp.org.br/noticias/comissao-do-terceiro-setor-divulga-nota-tecnica-de-revogacao-da-declaracao-de-utilidade-publica/
  5. Lei nº 18.067 de 2 de janeiro de 2024 - Dispõe sobre a concessão de título de utilidade pública municipal às associações e fundações que especifica, e dá outras providências.

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