MROSC nas capitais: o cenário da regulamentação do MROSC nas capitais do Estados brasileiros

OSC Legal Instituto
7 min readApr 25, 2024

Por Lucas Seara e Ruan Santos

A Lei nº 13.019/2014¹, conhecida como a Lei das Parcerias, compõe a agenda do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC). Estabelece o regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil (OSC). Numa perspectiva mais geral, a lei determina os procedimentos que devem ser adotados nas parcerias, de maneira mais ampla e genérica.

Neste contexto, demanda-se de cada ente público que adote uma regulamentação específica, em nome da segurança jurídica nestas relações de parceria. Isso porque o regime precisa ser ajustado à capacidade, ao tamanho e às características de cada ente público, desde o nível federal, passando por estados, Distrito Federal e municípios. Vale registrar que o regime de parcerias está em vigor desde 2016 para a União, os Estados e o Distrito Federal e desde 2017 para os municípios.

Há necessidade de regulamento, através do qual se detalhem competências e prazos, além dos procedimentos específicos a serem praticados nos casos concretos. Em outras palavras, é preciso definir prazos, atribuições e competências dos atores envolvidos nas parcerias.

O OSC LEGAL Instituto vem realizando um levantamento do cenário da regulamentação do regime de parcerias do MROSC no Brasil, disponível em www.osclegal.org. Até a metade do mês de abril de 2024, no âmbito das unidades federativas, contamos com 20 Estados e o Distrito Federal com regulamento específico. Em âmbito municipal, são pouco mais de 700 cidades com regulamento próprio.

Observando as capitais dos Estados, são 16 cidades que adotaram regulamentação específica. Vale ressaltar que não estamos considerando Brasília/DF, já que pela sua natureza peculiar foi contabilizada dentre as unidades da federação, como Distrito Federal². Portanto, segue a lista das capitais com regulamento³:

Belo Horizonte/MG - Decreto nº 16.746/2017
Campo Grande/MS - Decreto nº 13.022/2016
Curitiba/PR - Decreto nº 1.067/2016
Florianópolis/SC - Decreto nº 21.966/2020
Fortaleza/CE - Decreto nº 14.986/2021
João Pessoa/PB - Decreto nº 9.005/2017
Maceió/AL* - Decreto nº 9.121/2021
Palmas/TO - Decreto nº 2.120/2021
Porto Alegre/RS - Decreto nº 19.775/2017
Porto Velho/RO - Decreto nº 14.859/2017
Rio de Janeiro/RJ - Decreto nº 42.696/2016
Salvador/BA - Decreto nº 29.129/2017
São Luís/MA - Decreto nº 49.304/2017
São Paulo/SP - Decreto nº 57.575/2016
Teresina/PI - Decreto nº 16.802/2017
Vitória/ES - Decreto nº 17.340/2018

No geral, os decretos das capitais não destoam do conteúdo do Decreto nº 8.726/2016⁴, que regulamenta o regime de parcerias em âmbito federal. Destaca-se negativamente a qualidade dos regulamentos do Rio de Janeiro/RJ e de São Luis/MA, que têm forte influência do regime geral de licitações e convênios, não aplicável nas parcerias do MROSC⁵.

Quanto ao regulamento federal, após consulta pública, esta normativa passou por alterações⁶, com a implementação do Conselho Nacional de Fomento, Colaboração e Cooperação (CONFOCO) e outros ajustes no regime de parcerias. Recomenda-se que os regulamentos subnacionais -estaduais, distrital e municipais - passem por revisões voltadas à melhoria contínua do regime de parcerias, a exemplo do que vem ocorrendo em nível federal.

Voltando aos regulamentos das capitais, aqui destacaremos alguns temas⁷, analisando como aparecem e são tratados nos decretos: Possibilidade de atuação em rede; Participação das OSCs: desvinculação a títulos e certificados; Inexigência de contrapartida financeira; Conselho de Fomento, Colaboração e Cooperação; e, Incidência do Imposto Sobre Serviços (ISS) e do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF)⁸.

A possibilidade de atuação em rede é contemplada em quase todos os Decretos analisados: Salvador/BA, São Paulo/SP, Florianópolis/SC, Belo Horizonte/MG, Porto Velho/RO, São Luiz/MA, Teresina/PI, Campo Grande/MS, João Pessoa/PB, Vitória/ES, Porto Alegre/RS e Fortaleza/CE. Na contramão, Curitiba/PR, Palmas/TO e Rio de Janeiro/RJ não citam a possibilidade de atuação em rede em seus respectivos Decretos.

Não há previsão de contrapartida financeira nos Decretos de Palmas/TO, Salvador/BA, Vitória/ES, Campo Grande/MS, Curitiba/PR, Teresina/PI, São Paulo/SP, Porto Alegre/RS, São Luiz/MA, Rio de Janeiro/RJ e Fortaleza/CE, apenas contrapartida em bens e serviços, quando for o caso.

Em Belo Horizonte/MG, Porto Velho/RO, João Pessoa/PB e Florianópolis/SC é facultada a exigência justificada de contrapartida em bens e serviços, vedando-se a exigência de depósito do valor correspondente.

No caso de Fortaleza/CE, a contrapartida em bens e serviços deve ser considerada necessária e justificada, a partir dos parâmetros apresentados pela OSC para mensuração econômica, de acordo com os valores de mercado, “não devendo haver o depósito respectivo dos valores mensurados na conta bancária específica do termo de colaboração e do termo de fomento” (art. 53, § 3º).

Em São Luiz/MA, o Decreto veda a exigência de qualquer contrapartida quando o valor global da parceria for igual ou inferior a RS 100.000.00 (cem mil reais). A partir deste limite, exige justificativa para contrapartida em bens e serviços, “não podendo ser exigido o depósito do valor correspondente” (art. 12).

A exigência de certificação ou titulação como condição para celebração da parceria não tem embasamento⁹ nos Decretos de Porto Velho/RO, Belo Horizonte/MG, Campo Grande/MS, Fortaleza/CE, São Luiz/MA e Salvador/BA. A exceção cabível é decorrente de exigêcias previstas em legislação específica da política setorial.

Por seu turno, em Teresina/PI, Curitiba/PR, Palmas/TO, Rio de Janeiro/RJ, Porto Alegre/RS, Vitória/ES, João Pessoa/PB e São Paulo/SP a vedação não aparece nos decretos. O ponto fora da curva aqui é Florianópolis/SC, cujo Decreto exige o título de utilidade pública¹⁰ (embora não determine, dá a entender que se trata do UP municipal) dentre os documentos obrigatórios (art. 40).

Quanto ao Conselho de Fomento e Colaboração, há previsão de criação em Belo Horizonte/MG, São Luiz/MA e Salvador/BA. Tal previsão não aparece nos decretos de Florianópolis/SC, Porto Velho/RO, São Paulo/SP, Palmas/TO, Curitiba/PR, Vitória/ES, João Pessoa/PB, Teresina/PI, Fortaleza/CE, Rio de Janeiro/RJ, Porto Alegre/RS e Campo Grande/MS.

Em que pese tal previsão aparecer em alguns decretos, em âmbito municipal apenas a cidade de Belo Horizonte/MG implementou o CONFOCO¹¹, dentre todas as 5.570 cidades do Brasil (IBGE).

Seguindo o melhor entendimento do Decreto Federal, há dispositivo afastando a incidência do Imposto Sobre Serviços e do Imposto de Renda Retido na Fonte dos recursos das parcerias: Teresina/PI, Porto Velho/RO, Belo Horizonte/MG, Campo Grande/MS, João Pessoa/PB, Florianópolis/SC, São Luiz/MA e Salvador/BA. Por sua vez, os Decretos de Fortaleza/CE, Palmas/TO, Rio de Janeiro/RJ e Curitiba/PR não incluem dispositivos análogos.

Em Porto Alegre/RS e São Paulo/SP há dispositivos que descaracterizam os recursos das parcerias como receita própria da OSC, mantendo a natureza de verbas públicas. Na capital gaúcha, o regulamento avança: “não é cabível a exigência de emissão de nota fiscal de prestação de serviços tendo a Administração Pública como tomadora nas parcerias celebradas com organizações da sociedade civil” (art. 52). Já na capital paulista há um comando parecido: “não é cabível a exigência de emissão de nota fiscal de prestação de serviços tendo a Municipalidade como tomadora nas parcerias celebradas com organizações da sociedade civil” (art. 57, parágrafo único).

Finalmente, em Vitória/ES o art. 59 do Decreto apenas se limita a declarar que recursos das parcerias não se caracterizam como receita própria, “mantendo a natureza de verbas públicas”, não há referência à prestação de serviços¹².

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Lucas Seara - Advogado e consultor. Empreeendedor Social. Mestre em Desenvolvimento e Gestão Social pela Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Atualmente coordena o OSC LEGAL Instituto, que se dedica à legislação das Organizações da Sociedade Civil, à Gestão Social e às Políticas Públicas.

Ruan Santos - Acadêmico de Direito (UCSAL) e colaborador do
OSC Legal Instituto.

[1] Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014 - Estabelece o regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco, mediante a execução de atividades ou de projetos previamente estabelecidos em planos de trabalho inseridos em termos de colaboração, em termos de fomento ou em acordos de cooperação; define diretrizes para a política de fomento, de colaboração e de cooperação com organizações da sociedade civil; e altera as Leis nºs 8.429, de 2 de junho de 1992, e 9.790, de 23 de março de 1999

[2] Decreto Distrital DF nº 37.843, de 13 de dezembro de 2016 - Regulamenta a aplicação da Lei Nacional nº 13.019, de 31 de julho de 2014, para dispor sobre o regime jurídico das parcerias celebradas entre a administração pública distrital e as organizações da sociedade civil no âmbito do Distrito Federal

[3] Todos os regulamentos estão acessíveis no site www.osclegal.org, com exceção de Maceió/AL, cujo Decreto Municipal nº 9.121/2021 não está disponível nos sites oficiais e nem mesmo via Lei de Acesso à Informação foi disponibilizada. Por essa razão, embora conste na lista, não foi analisada.

[4] Decreto Federal nº 8.726, de 27 de abril de 2016 - Regulamenta a Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014, para dispor sobre regras e procedimentos do regime jurídico das parcerias celebradas entre a administração pública federal e as organizações da sociedade civil.

[5] Para mais informações, indicamos o texto “Nova lei de licitações não se aplica a parcerias com organizações da sociedade civil”, por Laís de Figueirêdo Lopes, Clarice Calixto e César Dutra Carrijo. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/nova-lei-de-licitacoes-parcerias-organizacoes-da-sociedade-civil-20052021

[6] Mais informações sobre as mudanças no regulamento federal do MROSC, recomenda-se o texto “O que muda nas parcerias MROSC, com a alteração do Decreto Federal nº 8.726/2016”, por Nailton Cazumbá. Disponível em https://medium.com/@osclegal/o-que-muda-nas-parcerias-mrosc-com-a-alteração-do-decreto-federal-nº-8-726-2016-eaaa3dc473cd

[7] A metodologia foi inspirada na proposta de STORTO, Paula Raccanello. Lei 13.019/2014 - Implementação por Estados e Municípios. Abong. Disponível em: https://www.abong.org.br/final/download/Guia-MROSC-Gestores.pdf

[8] O Decreto Federal nº 8.726/2016, em seu art. 35, estabelece que os recursos das parcerias são geridos pelas OSC e estão vinculados ao plano de trabalho. Tais recursos não caracterizam receita própria das entidades e por isso não incide Imposto de Renda. Também não caracterizam pagamento por prestação de serviços, daí que não há incidência de ISS, na medida em que não existe o fato gerador desse imposto.

[9] A Lei nº 13.019/2104 compreende que não há distinção entre as OSC, independentemente de certificação (art. 84-B). Por sua vez, o Decreto 8.726/2016, em seu art. 9º, § 5º, não se exige, como condição para a celebração de parceria, que as OSC possuam certificação ou titulação concedida pelo Estado.

[10] Sobre o título de utilidade pública, sugerimos o texto O Título de Utilidade Pública e o MROSC, do OSC LEGAL Instituto. Disponível em: https://medium.com/@osclegal/o-título-de-utilidade-pública-e-o-mrosc-f4592a5b651f

[11] Além da cidade de Belo Horizonte/MG, foram instalados apenas mais 3 CONFOCO: na Bahia, no Acre e em âmbito federal, ligado à Presidência da República.

[12] Sobre a incidência do Imposto Sobre Serviço (ISS) nos recursos vinculados aos Planos de Trabalho das parcerias do MROSC, ver o texto Parcerias do MROSC: a OSC deve recolher ISS?, do OSC LEGAL Instituto. Disponível em: https://medium.com/@osclegal/parcerias-do-mrosc-a-osc-deve-recolher-iss-2f390d95d4b7

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