Associações: gratuidade / isenção do pagamento das taxas dos cartórios

OSC Legal Instituto
10 min readApr 6, 2021

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Por Lucas Seara

Segundo pesquisa do Mapa das OSCs (IPEA), em parceria com um grupo de pesquisadores e especialistas, sobre o “Perfil das Organizações da Sociedade Civil do Brasil”, o conjunto das OSCs brasileiras é composto massivamente por micro organizações¹. Apesar da importância social de tais atores, da relevância das atividades que propõem e da capacidade de mobilização que vêm demonstrando historicamente, este setor é basicamente composto por pequenas entidades. Boa parte destas tem problemas financeiros para manutenção das suas obrigações básicas como aluguel, água, energia elétrica, internet, bem como o pagamento dos registros cartorários dos documentos constitutivos, de uma assessoria contábil, dentre outras despesas.

A equipe do OSC LEGAL Instituto é consultada cotidianamente sobre os custos com as despesas dos cartórios, o pagamento das taxas e dos emolumentos cartorários para registro dos atos constitutivos das associações, como atas e estatutos. Uma pergunta sempre aparece: há possibilidade de se conseguir gratuidade ou isenção no pagamento de tais despesas com cartórios?

Taxas, Emolumentos e Custas

De logo é importante definir o que sejam taxas, emolumentos e custas:

Pela Constituição Federal de 1988, as custas podem ser: judiciais (art. 24, IV, CF), caso dos valores pagos nos processos judiciais para ajuizar ação ou interpor recursos, por exemplo; ou extrajudiciais (art. 236, §2º, CF), como aqueles valores pagos em cartório para registrar o estatuto e as atas das associações ou fundações.

Estas custas possuem a natureza jurídica de taxa, segundo o art. 77 do Código Tributário Nacional²:

Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.

Avançando nestes conceitos, esclarece o Dicionário Jurídico³:

Custas: despesas regulamentadas por normas, feitas com a promoção ou realização de atos forenses, processuais, as que são feitas registros públicos e as que são contra a parte derrotada na ação judicial;

Emolumento: taxas legalmente auferidas do exercício da função pública.

Legislação Federal

A Lei Federal nº 10.169, de 29/12/2000⁴, estabelece as normas gerais para a fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro. Ressalte-se que a possibilidade de isenção ou gratuidade não aparece nesta normativa.

Por sua vez, a Lei nº 8.935, de 18/11/1994⁵, a chamada Lei dos Cartórios, em seu art. 39, estabelece que a delegação ao notário ou a oficial de registro poderá ser extinta, ou seja, ele poderá perder essa função, em razão de “descumprimento, comprovado, da gratuidade estabelecida na Lei no 9.534, de 10 de dezembro de 1997”, reportando-se aos casos de registro de óbitos e nascimentos, que são gratuitos para aqueles que não tem como arcar com tais custos.

Portanto, deve-se dar atenção aos regulamentos estaduais do setor, às chamadas leis notariais ou equivalentes, que regulam a cobrança das taxas e emolumentos por parte dos cartórios em cada Estado da federação, além do Distrito Federal. Sem pretensão de esgotar o tema, mas apenas trazer uma abordagem que possa ajudar as entidades, pesquisamos as regras em diversos estados, trazendo aqui uma amostra que contempla todas as regiões do Brasil.

Legislação Estadual

Na região Nordeste destacamos os casos da Bahia, Pernambuco, Sergipe, Maranhão e Piauí. Na Bahia, a Lei Estadual nº 12.373/2011⁶, arts. 10 e 11, falam sobre a gratuidade dos serviços aos beneficiários da justiça gratuita e o procedimento para tanto, que passa pela requisição da gratuidade ao notário ou registrador, em petição fundamentada.

Os pedidos de isenção são baseados no Decreto Estadual BA nº 28.595/81, no art. 51, II e no art. 52, cujo reconhecimento deve ser avaliado pelo Juiz ou Tribunal de Justiça⁷. Esta norma concede isenção da Taxa de Prestação de Serviços na Área do Poder Judiciário nos serviços prestados aos partidos políticos e as instituições de assistência social e de educação.

Vale destacar ainda a interessante Cartilha Institucional da Defensoria Pública do Estado da Bahia de 2019. Em formato de história em quadrinhos, o personagem informa que “a Defensoria também pode ajudar as associações de bairro e outras organizações, pessoas jurídicas sem fins lucrativos”, e completa, afirmando que “basta apenas que essas organizações comprovem não ter condições de pagar as despesas do processo na Justiça”⁸.

Por sua vez, a Lei Estadual SE nº 6.310/2007, alterada pela Lei Estadual nº 8.150/2016 do Estado de Sergipe⁹, isenta de emolumentos (art. 5º, IV): as associações de moradores, para o registro necessário à sua adaptação estatutária à Lei nº 10.406/2002, assim como para fins de sua qualificação como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), com base na Lei nº 9.790/1999. Entendemos que a ideia da lei é garantir que as entidades obtenham isenções para facilitar a sua regularização jurídica, neste sentido ela pode ser requerida por entidades que estejam nessa condição.

Destaque-se a norma do estado do Maranhão, Lei Estadual MA nº 9.109/2009¹⁰, que claramente determina, no art. 13, IX, que são isentos do pagamento de emolumentos os atos de registro de atas, alterações de estatutos e expedições de certidões para as entidades e instituições sem fins lucrativos com sede no Estado do Maranhão, inclusive as associações de pequenos agricultores.

Em Pernambuco o tema aparece de forma mais genérica, na Lei Estadual PE nº 11.404/1996¹¹, em seu art. 2º, quando estabelece a não incidência de custas, taxas ou emolumentos quando beneficiada a parte pela assistência judiciária ou quando for isentado o seu pagamento por lei. Com isto, a entidade pode solicitar o reconhecimento da isenção à autoridade judiciária competente.

Já o Piauí tem a Lei Estadual PI nº 6.920/2016¹², art. 28, que estabelece que o Oficial de Registro de Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Jurídicas afixará, nas dependências do serviço, em local visível, de fácil leitura e acesso ao público, cartazes informando os atos de sua competência que estão sujeitos a gratuidade. Assim, há serviços que podem ser providos gratuitamente, de forma que as entidades podem recorrer as autoridades competentes para solicitar o benefício.

No Sudeste tem-se a normativa de Minas Gerais, Lei Estadual MG nº 15.424/2004¹³, art. 20, que estabelece a isenção de emolumentos e da “Taxa de Fiscalização Judiciária” pela prática de atos notariais e de registro: inciso V - de autenticação e de averbação da alteração de ato constitutivo de entidade de assistência social registrada no Conselho Municipal de Assistência Social ou no Conselho Estadual de Assistência Social, observada a regulamentação do Conselho Nacional de Assistência Social. O parágrafo terceiro do dispositivo acrescenta que tal isenção destina-se às entidades que efetivamente prestam serviços de assistência social no cumprimento dos objetivos previstos nos incisos I a V do art. 3° da Lei n° 12.262, de 1996, não se aplicando às entidades mantenedoras cujas sedes funcionem apenas como escritório administrativo, sem atuar diretamente na área da assistência social.

No Sul, destacam-se os estados de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. No estado catarinense, temos a Lei Complementar SC nº 755/2019¹⁴, que isenta do pagamento de emolumentos (art. 7º): inciso III - as entidades sem fins lucrativos declaradas de utilidade pública por lei estadual ou Ato da Mesa da Assembleia Legislativa; inciso VII - os assistidos da Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina que declararem hipossuficiência financeira. Portanto, se a entidade tiver o título de Utilidade Pública estadual ou for assistida pela DPE/SC será isenta dos pagamentos.

Por sua vez, no Rio Grande do Sul tem-se a Lei Estadual RS nº 12.692/2006¹⁵, que apesar de não ser tão clara quanto a normativa catarinense trazida acima, estabelece, no Capítulo denominado “Emolumentos relativos aos serviços de registro de títulos e documentos e de pessoas jurídicas”, que o registro de “entidade exclusivamente pia e caritativa” será isenta. Como não há uma definição sobre o que configura uma entidade exclusivamente pia e caritativa, abre-se margem para que aquelas que assim se definam possam solicitar a isenção.

No Centro Oeste, o Estado de Goiás tem a Lei Estadual GO nº 14.376/2002¹⁶, que no art. 36, III, isenta de custas e emolumentos os procedimentos e atos praticados requisitados por autoridade competente e os que forem expressamente declarados gratuitos por lei federal ou estadual, devendo ficar consignado o fim a que se destina. Entendemos que se a entidade for assistida pela Defensoria Pública do Estado de Goiás, por exemplo, poderá solicitar a isenção.

Na região Norte, temos quatro destaques: Acre, Amapá, Tocantins e Roraima. Aqui se deve evidenciar o Acre e sua Lei Estadual AC nº 1.422/2001¹⁷, cujo artigo 2° é simples e direto:

Art. 2º São isentos do pagamento de taxas judiciárias e emolumentos:

VII - as entidades civis sem fins lucrativos;

No Amapá são gratuitos os atos notariais ou registrais praticados em benefício do juridicamente necessitado, assim reconhecido por autoridade judiciária, com base no art. 51, IV da Lei Estadual AP nº 1.436/2009¹⁸. Com isso, é possível afirmar que a entidade sem recursos financeiros pode recorrer ao Poder Judiciário para solicitar a isenção.

No Tocantins, a Lei Estadual TO nº 3408/2018¹⁹, em seu art. 14, II, estabelece a isenção de emolumentos, taxas e contribuições no ato notarial e ou de registro, realizado em favor de assistidos da Defensoria Pública, para instrução ou decorrente de processo administrativo ou judicial, sem conteúdo financeiro ou, tendo conteúdo financeiro, não ultrapasse 02 (dois) salários mínimos. Aqui se tem mais um caso em que se a entidade for assistida pela Defensoria Pública poderá solicitar a isenção.

O último estado em destaque é Roraima e sua Lei Estadual RR nº 1.157/2016²⁰. Segundo a normativa, no art. 8º, VII, são isentos do pagamento de custas judiciais as entidades civis sem fins lucrativos. Já no art. 29, quando trata dos emolumentos, reconhece a gratuidade: inciso II - dos atos praticados por requisição do Ministério Público no exercício de suas atribuições; inciso III - dos atos praticados em cumprimento de mandados judiciais expedidos em favor da parte beneficiária da justiça gratuita, quando determinado pelo Juízo. Aqui a isenção/gratuidade se relaciona com uma decisão de autoridade judicial competente, que deverá ser provocada para tanto.

Conclusão

O presente texto não se propõe a esgotar o tema proposto, mas sim trazer elementos que possam contrbuir com as entidades que precisam acessar os serviços dos cartórios para registro ou regularização das suas questões jurídicas.

A ideia foi esclarecer o que são as taxas, emolumentos e custas, além de traçar um panorama de como conseguir a gratuidade ou isenção do pagamento dos emolumentos, a partir dos exemplos e casos destacados na legislação dos estados.

É sempre importante ressaltar que as entidades devem conhecer a legislação local que tem incfluência sobre a sua atuação. Fundamental também dialogar com os cartórios e autoridades competentes em suas localidades, além de sempre procurarem uma assessoria jurídica competente, que possa contribuir, inclusive, na detecção de outras normativas locais capazes de reforçar ainda mais o embasamento dos pedidos de gratuidade / isenção perante as autoridades competentes.

Por fim, vale indicar que as entidades visitem o site do OSC LEGAL Instituto (www.osclegal.org.br) para acessar o modelo de ofício de solicitação de gratuidade / isenção, que deve ser adaptado a realidade de cada entidade em seu contexto de atuação.

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Por Lucas Seara, Advogado e consultor, Mestre em Desenvolvimento e Gestão Social (UFBA), Coordenador do OSC LEGAL Instituto. Contando com a contribuição fundamental da advogada Camila Chagas.

1. https://gife.org.br/pesquisa-traz-dados-ineditos-sobre-o-perfil-das-osc-do-brasil/

2. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios

3. SANTOS, Washington dos. Dicionário Jurídico Brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, 340 p.

4. Lei nº 10.169, de 29 de dezembro de 2000 - Regula o § 2o do art. 236 da Constituição Federal, mediante o estabelecimento de normas gerais para a fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.

5. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994 - Regulamenta o art. 236 da Constituição Federal, dispondo sobre serviços notariais e de registro (Lei dos cartórios)

6. Lei Estadual BA nº 12.373 de 23 de dezembro de 2011 - Dispõe sobre a fixação, a contagem, a cobrança e o pagamento dos emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro, da Taxa de Prestação de Serviços na área do Poder Judiciário e da Taxa de Fiscalização Judiciária

7. Decreto Estadual BA nº 28.595 de 30 de dezembro de 1981 - Regulamento das Taxas do Estado da Bahia

8. Cartilha Institucional Defensoria Púbica do Estado da Bahia (DPE/BA) 2019. Disponível em http://www.defensoria.ba.def.br/wp-content/uploads/2017/06/cartilha-institucional-2019-9edicao.pdf

9. Lei Estadual SE nº 6.310 de 20 de dezembro de 2007 - Estabelece Tabela de Emolumentos, para os Serviços Notariais e de Registro do Estado de Sergipe, e da providência correlatas

10.Lei Estadual MA nº 9.109 de 29/12/2009 - Dispõe sobre custas e emolumentos e dá outras providências.

11. Lei Estadual PE nº 11.404, de 19 de dezembro de 1996 - Consolida as normas relativas às Taxas, Custas e aos Emolumentos, no âmbito do Poder Judiciário, e dá outras providências

12. Lei Estadual PI nº6.920 de 23 de dezembro de 2016 - Estabelece normas sobre custas, emolumentos, despesas processuais e pelos serviços prestados pelo Tribunal de Justiça do Estado do Piauí e os delegatários responsáveis por atos notariais e de registro, e dá outras providências

13. Lei Estadual MG nº 15.424, de 30 de dezembro de 2004 - Dispõe sobre a fixação, a contagem, a cobrança e o pagamento de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro, o recolhimento da Taxa de Fiscalização Judiciária e a compensação dos atos sujeitos à gratuidade estabelecida em lei federal e dá outras providências

14. Lei Complementar Estadual SC nº 755, de 26 de dezembro de 2019 - Dispõe sobre os emolumentos no Estado de Santa Catarina e adota outras providências

15. Lei Estadual RS nº 12.692, de 29 de dezembro de 2006 - Dispõe sobre os emolumentos dos serviços notariais e de registro, cria o Selo Digital de Fiscalização Notarial e Registral, institui o Fundo Notarial e Registral e dá outras providências

16. Lei Estadual GO nº 14.376, de 27 de dezembro de 2002 - Dispõe sobre o Regimento de Custas e Emolumentos da Justiça do Estado de Goiás e dá outras providências

17. Lei Estadual AC nº 1.422, de 18 de dezembro de 2001 - Dispõe sobre o Regimento de Custas do Poder Judiciário do Estado do Acre, amplia o acesso à Justiça e dá outras providências

18. Lei Estadual AP nº 1.436, de 29 de dezembro de 2009 - Dispõe sobre custas judiciais e emolumentos dos serviços notariais e de registros públicos no Estado do Amapá, e dá outras providências

19. Lei Estadual TO nº 3408 de 28 de dezembro de 2018 - Dispõe sobre a fixação, a contagem, a cobrança e o pagamento de emolumentos no exercício das atividades notariais e registrais, regulamenta o Fundo Especial de Compensação da Gratuidade dos Atos do Registro Civil de Pessoas Naturais (FUNCIVIL) e adota outras providências

20. Lei Estadual RR nº 1.157 de 29 de dezembro de 2016 - Estabelece normas para a cobrança de custas dos serviços forenses e emolumentos extrajudiciais a que se referem os Artigos 24, inc. IV e 98, § 2º da Constituição Federal e o controle de sua arrecadação no estado de Roraima, e dá outras providências.

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